terça-feira, 7 de janeiro de 2014

A Grande Beleza (texto baseado no filme)

O vovô está muito parado hoje.
Está olhando pela janela desde manhã.
Eu olhei também, mas não consegui ver o que ele vê.

Às vezes ele sorri sem tirar os olhos de lá.
 Aí eu olho de novo... mas nada.
Perguntei à mamãe e ela disse que é para eu ir cuidar de coisas de crianças.
E deixar as coisas de velho prá lá.

Por mais chato que seja olhar para o Jeb parado lá a manhã toda,
Quando ele sorri, parece que alguém está puxando e abrindo as cortinas para um belo espetáculo começar.
O que não faria sentido seria sorrir assim ao final do espetáculo.

Eu odeio a minha vida.
A voz doce da minha mãe me enjoa como um melaço tomado no bico da garrafa.
O olhar cuidadoso de meu pai me cerca e me oprime.

Eis que um dia conheço o amor.
A lua reflete-se na água, a água ondula com o vento e o vento brinca com teu vestido.
Tu diz-me 'Vem' e é como se o tempo também fosse contigo, lento, lentíssimo.
E de repente,

Tudo acelerado. Rodopiam. Gritam. Se esfregam. Cospem. Chafurdam.
E eu com eles. Eu sou eles. Não busco mais nada. Tampouco fujo. Fico ao vento.
E o vento me assopra. Mas persisto altivo. Me bajula, persisto. Me vira o rosto, me rio.
E eis que desiste. E por um instante sinto o sol arder em meu rosto, antes que a noite fria, acelerada, me abrace, dizendo-me que ela, e só ela, será minha companheira até o fim.

Sinto saudades. Sinto tristeza. Sinto culpa. Por isso não sinto mais nada.
Apenas um leve incômodo em meus cotovelos há tanto tempo apoiados no parapeito da janela.
E lembranças que me assaltam furtivas, brincalhonas, saudosas de mim.
E meu neto a me olhar, curioso, como se quisesse adivinhar o que vejo.

Ora o que vejo...

Um comentário:

  1. não sei se é mais legal ler esses textos antes ou depois de ver o filme...mas de qualquer forma são sempre lindos (os textos), por vezes até mais que os filmes...adorei!

    ResponderExcluir