domingo, 17 de julho de 2011

Manuela vivia feliz com Charles e desde que o havia conhecido não se detinha em mais nenhum aconchego que não fosse o do seu amante. Em seu peito encontrava não apenas a fortaleza em que descansava mas a companhia que a fazia sentir-se sempre segura e preservada do perverso e sórdido mundo sobre o qual havia sido advertida de que estaria a sua espreita se ousasse sair lá fora sem a proteção de seu amor, companheiro, amo e benfeitor, Charles.

Embalada em sua proteção, em seu colo, passavam-se os dias como se não houvessem passado. Todos os seus desejos eram atendidos e as suas vontades satisfeitas. Era como se ela fosse uma pequena e frágil ave que repousava na mão de seu dono e nesta mão encontrava abrigo. Por vezes a cutucava até que adquirisse a posição que mais lhe agradava, em forma de conchinha, e quando conseguia, se aconchegava como uma menina-mulher.

é verdade que acabava por ter sonhos estranhos quando dormia assim, certa noite estava deste jeito quando os dedos da mão carinhosa começaram a se mexer de forma contínua, ritmada e estranha. era como se dançassem. a mão também mostrava uma alteração de personalidade e passava a envolvê-la de uma forma mais sinuosa e rude. Os dedos pareciam, enfim, antagonistas de uma alucinação grotesca e lhe subiam pelas pernas, ora brincalhões, ora gosmentos com lesmas e em movimentos pulsantes como aqueles que usam as minhocas.

é um sonho, certo? Manuela não reconhece mais nessa mão o seu Charles protetor. parece que ele se foi e deixou em seu lugar um empregado que pretende lhe usurpar o que de mais puro tem o patrão. Manuela quer acordar, sabe que é um sonho e começa a sentir vertigens nessa mão rodopiante, quase psicodélica, cujos dedos a exploram.

Esses movimentos são acompanhados de um líquido morno no qual ela poderia se abandonar a boiar, aberta como uma flor recém caída. Eram cinco dedos, e ela, exausta, sentia como se não tivesse mais forças para lhes resistir: que lhe fizessem então o que melhor lhes aprouvesse, pois não poderia abandonar mais aquela mão que um dia foi a extensão de seu amado e que hoje era o berço de seus prazeres ambivalentes. Havia de ceder, de entregar-se, enfim, entregar aquilo que eles, dela já haviam obtido, por força ou destreza, há muito tempo.

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