domingo, 12 de agosto de 2012

Confissões de um fantasma.

Pensem comigo, um fantasma é uma coisa que não existe. Ou pelo menos não deveria existir. Como ele consegue? É a força de vontade. A força de vontade te permite fazer praticamente qualquer coisa, menos ser... então, ele quase existe... É por isso que ele precisa necessitar de algo, ele precisa de um propósito.

Os fantasmas, nos filmes, são pouco nítidos, mas na vida real são idênticos a uma pessoa de verdade, só por dentro é que são turvos. Foi-se o tempo em que precisavam ser alegóricos, como o homem de lata (O Mágico de Oz), para que os aceitássemos.

Um fantasma é feito principalmente de força de vontade, ou, nas palavras do Agente Smith (Matrix Reloaded): “... Não há como fugir da razão, como negar o propósito...pois, como ambos sabemos, sem propósito, não existiríamos. Foi o propósito que nos criou. O propósito nos conecta. Ele nos impele. Nos guia. Nos motiva. O propósito nos define. O propósito nos une. … “

Fantasmas são assustadores! Quem iria querer topar com um deles, certo? Errado. Tal como os vampiros, fantasmas são sedutores, charmosos, atraentes, poderosos e na maior parte das vezes, bem vestidos. Ou seja, nós é que vamos ao encontro deles, e nos podem dizer: Vieste por tua vontade.

Ele precisa manter vivo o propósito, mas ao alcançar suas metas, ele que consegue tocar as pessoas mas não pode ser tocado, tampouco sacia-se com o prazer que com suavidade ou violência extrai de suas  vítimas. Suas metas são para ele o que o sangue é para os vampiros, e a força de vontade é a sua sede.

Ele alcança os objetivos aos quais se propõe, porque cada um deles constitui a metáfora de sua sobrevivência. Como alguém mergulhado em águas profundas, sente que se expirasse – abrindo mão do controle e deixando que os outros e o mundo sejam a seu modo – não poderia mais respirar, e num instante passaria da sobrevivência em risco a uma agonia aterradora. Não, ele não pode deixar isso acontecer, precisa vencer sempre. Por isso, faz de tudo e faz sempre melhor que os outros.

Demora-se para descobrir que alguém é um fantasma. Ele mesmo costuma ser um dos últimos a saber. Mas quando se percebe assim, um espectro sem vida, é assustador. E pode ser que lhe surja o desejo de ser uma pessoa de verdade. E aí ele finalmente descobre um limite, um desafio que o amedronta, pois uma das coisas que um fantasma não deve fazer é tentar deixar de ser um morto-vivo, pois a dor de uma vida plena pode matá-lo.

Para tentar de verdade, para ser, precisará amar, e isso não se alcança com força de vontade, e sim com a tímida coragem de quem tem tudo a perder e se arrisca assim mesmo. Não mais envolvido pela solidão e protegido por sua beleza de porcelana, o amor o fará sentir o calor do sol percorrer o seu corpo agora humano.

Enfim, um corpo de carne e sangue, mortal, e um belo coração, não mais invencíveis pela força de vontade, que o sustentava pairando no ar - tal qual anjo decaído que não quer decair totalmente.

E como mortal, finalmente será ferido, e morrerá.

E a ironia trágica de ter vivido como um morto – dentre esses tantos sonâmbulos que andam por aí fingindo ser - não será mais relevante, pois,  enquanto os outros reclamam, ele poderá encontrar paz na dor de morrer como um vivo, um pouco a cada dia, sem antecipar as coisas.

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