domingo, 14 de julho de 2013

Manifestações. Análise 2. O povo continua sendo subestimado.

Derrota da PEC 37: O povo continua sendo subestimado.

As atuais manifestações e protestos surpreenderam a muitos, nas redes sociais e nas ruas. Surge naturalmente uma vontade de tentar explicá-las e já temos várias análises. Esta, visa debater com a análise feita pelo texto “Derrota da PEC 37: a apropriação corporativa das manifestações de rua no Brasil”. A ideia geral é apresentada de plano: “O movimento das ruas se deixou apropriar por um dos lados do conflito corporativo. Deixou-se de cobrar o que realmente importa na investigação criminal: segurança jurídica, respeito aos direitos do investigado e o fim da violência policial e de disputas corporativistas”. Para a melhor compreensão deste texto, vale a leitura daquele primeiro, que você pode encontrar aqui http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/derrota-da-pec-37-a-apropriacao-corporativa-das-manifestacoes-de-rua-no-brasil/

Interlúdio: Se você quiser ler um bom texto de verdade sobre as motivações dos protestos, leia http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/119566-quotanota-ai-eu-sou-ninguemquot.shtml.

A pergunta é: A sociedade foi enganada ou manipulada em sua livre vontade de protestar ao pedir a rejeição da PEC 37?

Umas das coisas que as análises têm abordado é que falta orientação e direção claros nos protestos. Isso levou comentaristas a dizer que a multidão não tinha foco. Ao que foram respondidos que o que existem são muitos e muitos focos e não ausência de objetivos.

Bom, o argumento do texto é de que essa falta de foco, a impulsividade e os erros das informações nas redes sociais induziram as manifestações a erro. Tendo levado a população a tomar partido numa disputa entre as corporações do Ministério Público e da Polícia e levando-a a esquecer-se de cobrar outras medidas mais efetivas de melhoria da segurança pública.

Qualquer profissional ou pessoa que resolver estudar problemas públicos com atenção e persistência, encontrará milhares deles e centenas de propostas de solução, que em princípio podem funcionar. Sem dúvida, existiam e existem muitas outras coisas importantes que deveriam causar protestos. Por que a sociedade escolheu uma duzia destas em prejuízo do restante? Essas foram as escolhas certas? Essa é uma reflexão importante, mas é prematuro afirmar que a percepção ou modo de escolha estão errados.

O que quero abordar é principalmente a análise feita sobre o Ministério Público e também tratar um pouco de sua relação com a Polícia. Ao fazê-la, não tenho como me afastar muito da minha experiência de fazer parte do Ministério Público Federal há quase 10 anos. Mas também não a posso tomar como a realidade de todo o Ministério Público Federal ou dos demais Ministérios Públicos. A vida é muito maior que nossas pequenas experiências e visões pessoais e conclusões genéricas acabam sempre sujeitas a revisões.

O texto que estamos analisando tem vários diagnósticos interessantes. Mas quero analisar alguns dos quais eu discordei mais.

O primeiro trecho é “...Mas promove por vezes seleção do caso persecutório, dando preferência ao que lhe ofereça maior exposição midiática e ao que traduza maior risco para atores da política e da economia...”.

Isso é algo que eu tenho ouvido eventualmente por ali ou por aqui, mas não corresponde a minha experiência como promotor de justiça no âmbito federal. A expressão “por vezes” é muito vaga para se ter uma noção firme. Quantas vezes, em quais casos e quantos casos esses representam do total de investigações? Esse é um número que um comentarista externo teria dificuldade de obter, mas comentários de um Corregedor-geral do Ministério Público sempre podem vir acompanhados de estudos, números e documentos técnicos que se sobreponham em qualidade a informações como as que teriam em tese induzido a erro a sociedade em seus protestos.

Agora, quem escolhe o que e o como é publicado na mídia? O Promotor de Justiça, mais ou menos como outros funcionários públicos que prestem informações a mídia, apresenta sua versão, mas é a mídia que decide se publica ou não, o que e como, e não o contrário. Muitos casos relevantes que não traduzem risco aos políticos por não serem atuações repressivas, não recebem a mesma atenção e isso pode alterar a percepção de um leigo e fazê-lo acreditar que aquela é a conduta cotidiana do Ministério Público.

Outro trecho relevante para a crítica: … “O fenômeno do concurseirismo: os novos procuradores e promotores são, em geral, jovens com excelente formação jurídica, mas que são muito exigentes quanto ao que esperam da carreira e reagem com acentuada agressividade quando são frustrados em suas demandas. Estas dizem respeito à remuneração, às vantagens, ao prestígio e ao poder que dele decorre.”

Neste trecho aflora um importante conflito intergeracionais. Não são apenas nos concursos para promotores que passam muitos “jovens”. Milhares de cargos em comissão de livre nomeação, em Brasília e muitos outros lugares, são ocupados por pessoas igualmente ou até mais jovens. Também foram principalmente os jovens, de corpo ou de alma, que saíram as ruas para protestar. É natural que os jovens sejam exigentes e até agressivos quando frustrados, embora essa reação tenha mais haver com maturidade e não com idade. Mas jovens participativos, opiniativos, exigentes vão formar “adultos” melhores. É o que todos esperamos.

Outro trecho importante: “A disputa pelo poder investigatório, presente na campanha da PEC 37, em última análise é parte dessa competição e não traduz nenhuma preocupação com a eficiência do Estado. Investigar ou não investigar é poder ou não poder expor a governança e a sociedade a riscos e, portanto, é cacifar-se ou não se cacifar para demandas corporativas.” (grifei)

Embora a disputa pelo poder de investigação, para que seja apenas das polícias ou também do ministério público seja sim uma questão corporativa, ela é maior do que isso. Ela tem haver com mais possibilidade de investigação dos inúmeros crimes e da corrupção que prejudica o país. Mas a investigação é o poder de proteger e não de expor a sociedade e a governança desta mesma sociedade a riscos. A investigação descobrirá os fatos e os responsáveis pelas condutas antisociais e criminosas que prejudiquem a sociedade. De fato, os recursos aplicados, a colaboração e os resultados das investigações devem ser constantemente melhorados e disso não tratou a PEC 37, que apenas impedia o Ministério Público de investigar. Essa é uma das bandeiras muito relevantes. Assim, como a da “...organização do sistema de ganhos na administração pública para lhe conferir maior eficiência.” também levantada pelo autor do texto.

Um comentário:

  1. Interessante esse argumento recorrente de que quando a massa se manifesta, está sendo "empurrada" por interesses corporativistas. Tal qual o gado que precisa ser tocado, o povo (numa acepção ampla) é tomado como inerte e volúvel. As sombras das revoluções passivas permanecem nos discursos mais superficiais, e trazer a questão à baila é fundamental para que duvidemos da palavra pronta e do cenário mais óbvio, que relega a segundo plano a real vontade de transformação do brasileiro (o jovem, o velho, o letrado, o analfabeto, o servidor público, o profissional liberal, enfim, os cidadãos).

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