domingo, 5 de dezembro de 2010

Texto atribuído a Jabor: Eu chamaria de egoísmo x altruísmo

Será que a opinião pública está tão interessada assim na visão que Narcisa
Tamborindeguy ou Adriane Galisteu têm da vida? A julgar pelo espaço que a
mídia dedica a esse tipo de formador (?????) de opinião, o Brasil virou um
imenso Castelo de Caras. Adriane Galisteu, após o seu casamento relâmpago,
falou às páginas amarelas de "Veja" e deu aula magna de insensibilidade,
egoísmo e... sinceridade! Estranha mistura, mas a moça tem razão quando se
diz sincera. Ela não engana, revela‑se de corpo (e que corpo!) inteiro, e o
retrato que aparece é assustador! Adriane teve uma infância atribulada,
perdeu o pai aos 15 anos, ainda pobre, e um irmão com AIDS quando já não era
tão pobre. "Eu não tinha um tostão, não tinha dinheiro para comprar um
pastel. Meu irmão estava doente. Minha mãe ganhava 190 reais do INSS, meu
pai já tinha morrido. Eu sustentava todo mundo e não tinha poupança
alguma". Peço licença a Adriane, mas vou falar de outra infância triste
de mulher,a de Rosa Célia Barbosa. Seu perfil ‑ admirável ‑ surgiu em
recente reportagem da "Vejinha" sobre os melhores médicos do Rio de Janeiro.
Alagoana, pequena, 1m50cm, começou a sua odisséia aos sete anos. Largada
num orfanato em Botafogo, Rosa Célia chorou durante meses. Toda a mulher de
saia eu achava que era a minha mãe que vinha me buscar. Depois de um
tempo, desisti.". Voltemos a Adriane Galisteu. Ela é rica, bem sucedida, e
"nem na metade da escada ainda". A escada, não deixa de ser uma boa imagem
para alguém que ‑ como uma verdadeira Scarlet O´Hara de tempos neoliberais
(muito mais neo que liberais) ‑ resolveu que nunca mais vai passar fome. Até
aí, tudo bem; mas é desconcertante ver como o sofrimento pode levar à total
insensibilidade. Pergunta da repórter a Adriane se ela faria algo para o bem
do outro: "Para o bem do outro? Não, só faço pelo meu bem. Essa coisa de dar
sem cobrar, dar sem pedir, não existe. Depois, você acaba jogando isso
na cara do outro." "Você nunca cede, então?" "Cedo, claro que cedo. Já cedi
em coisas que não afetam a minha vida. Ele gosta de dormir em lençol
de linho
>>>> e eu gosto de dormir em lençol de seda. Aí dá para ceder..." Rosa Célia
fez vestibular de medicina quando morava de favor num
quartinho e trabalhava para manter‑se. Formou‑se e resolveu dedicar‑se à
cardiologia neonatal e infantil, quando trabalhava no Hospital da Lagoa. Sem
saber inglês, meteu na cabeça que teria que estudar no
National Heart Hospital, em Londres, com Jane Sommerville, a maior
especialista mundial no assunto. Estudou inglês e conseguiu uma bolsa e uma
carta da Dra. Sommerville. Em Londres, era gozada pelos colegas ingleses por
causa de seu inglês jeca. Ganhou o respeito geral quando acertou um
diagnóstico difícil numa paciente escocesa, após examiná‑la por oito horas
seguidas. "Ela falava um inglês ainda pior do que o eu", lembra Rosa Célia
divertida.
Adriane Galisteu está rica, mas não confia em ninguém, salvo na mãe Nem nos
amigos. Vejam: "Eu não posso sair confiando nas pessoas". Não tenho
motorista, nem segurança, por isso mesmo. É mais gente para te trair. Eu
confio mais nos bichos do que nas pessoas. Ainda existem pessoas que acham
que eu tenho amnésia. Muitas das que convivem comigo hoje já me viraram a
cara quando estava por baixo. Mas você pensa que eu as trato mal? Trato com
a maior naturalidade. Porque elas podem até me usar, mas eu
vou usá‑las também. "É uma troca." De Londres, Rosa Célia iria direto para
Houston, nos Estados Unidos. Fora escolhida e convidada para a Meca da
cardiologia mundial. Futuro brilhante a aguardava. Uma gravidez inesperada
atrapalhou o sonho. Pediu 24 horas para pensar e optou pelo filho, voltando
ao Rio de Janeiro. Reassumiu seu cargo no Hospital da Lagoa e abriu
consultório. Mas todo ano
viaja para estudar. Passa no mínimo um mês no Children´s Hospital, em
Boston, trabalhando 12 horas por dia. "Você gosta de dinheiro, (Adriane)?"
"Adoro dinheiro e detesto hipocrisia". Gasto, gosto de gastar, gosto de não
fazer conta, de viajar de primeira classe. Tem gente que fala: esse dinheiro
que ganhei eu vou doar... O meu eu não dôo não. O meu eu dôo é para a minha
conta. Eu adoro fazer o bem, mas também tenho minhas prioridades: minha
casa, minha família. Primeiro vou ajudar quem está mais próximo. "Mas
faço minhas campanhas beneficentes." Rosa Célia atualmente chefia um
sofisticadíssimo centro cardiológico, o Pró‑Cardíaco. Lá são tratados casos
limite, histórias tristes. O hospital é privado e caríssimo, mas ela achou
um jeito de operar ali crianças sem posses. Criou uma ONG, passa o chapéu,
fala com amigos e com empresários. O seu Projeto Pró‑Criança já atendeu mais
de 500, e 120
foram operadas. Sonhei a vida inteira e fiz. Não importou ser pobre, mulher,
baixinha, alagoana. Eu fiz." Voltemos a Adriane Galisteu e esbarraremos,
brutalmente, na frustração. Já tive vontade de viajar e não podia. Queria
ter um carro e não tinha. Queria ter feito uma faculdade e não tive
dinheiro. Não que eu sinta falta de livros, porque livro a gente compra na
esquina, e conhecimento a gente adquire na vida. Eu sinto falta é de contar
para os amigos essas histórias que todo mundo tem, do tempo da
faculdade. Duas vidas, dois perfis fora da normalidade, matéria‑prima para
os órgãos de imprensa. Mas qual é a mais valorizada pela mídia hoje em dia?
É fácil constatar e chegar à conclusão de que há algo muito errado com a
nossa sociedade. Pode ser até que o leitor tenha interesse mórbido
em saber o que as louras e morenas burras ou muito espertas andam fazendo,
mas a mídia não deve limitar‑se a refletir e a conformar‑se com a
mediocridade, o vazio, o oportunismo e a falta de ética. Os órgãos de
imprensa devem ter um papel transformador na sociedade e, nesse sentido,
estaríamos melhor servidos se houvesse mais Rosas Célias nos jornais, nas
revistas e TVs que nos cercam. Voltando ao Castelo de Caras, as belas
Adrianes, Narcisas, Lucianas,Suzanas ou Carlas, certamente encontrarão lá um
espelho mágico... Se for mesmo mágico dirá que Rosa Célia é mais bela do que
todas vocês.

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